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O desafio da fenomenologia frente à crise da filosofia

Acylene M. C. Ferreira - Universidade Federal da Bahia

Como a filosofia pode exercer a interdisciplinaridade com outros campos do saber sem perder-se enquanto tal?  Refletiremos sobre esse problema através do caráter de estranheza inerente à epoché e à angústia. Considerando-se que esse caráter é essencial para mostrar a experiência extemporânea e extraordinária da filosofia, nosso objetivo é analisar a centralidade dos conceitos operacionais de epoché e de angústia para a constituição do conhecimento de algo do mundo na fenomenologia. A partir do questionamento de Husserl e de Heidegger sobre a presença marcante das ciências na filosofia e do fato que ambos defendem que o modo de operacionalidade da fenomenologia resguarda o âmbito próprio da atuação filosófica, supomos que ao traçarmos um paralelo com esse questionamento e defesa, será possível pensarmos sobre a crise atual da filosofia e o desafio da fenomenologia frente a interface com as demais ciências.

 

Rarefação e resistência dos lugares

André Barata - Universidade da Beira Interior

Grandes tendências que caracterizam a modernidade tardia têm incidido sobre o tempo e o espaço socialmente vividos no sentido de uma uniformização que despovoa o espaço-tempo global da diversidade de temporalidades e espacialidades social e culturalmente praticadas. Assumindo como "lugares" pontos de ancoragem de habitualidades que se habitam, com esta significação, temporalidades e espacialidades são "per se" lugares, mas em processo de rarefação. Tempo desolado de temporalidades, espaço sem territórios conduzem verdadeiramente uma dupla rarefacção: enquanto lugares de facto mas, mais profundamente, também enquanto condições de possibilidade de lugar. Além da sinalização desta dupla rarefacção, importará, contudo, introduzir uma inflexão: pensar a actividade de "fazer lugar" como resistência a essa rarefação, na ambivalência existencial, talvez irresolúvel, entre lugares que resistem declinando e lugares, os mesmos talvez, que se rarefazendo subvertem.

 

Porque as coisas não têm de ser as mesmas?

Fenomenologia e anarquia

André Dias de Andrade - Universidade de São Paulo

Partimos de uma linguagem fenomenológica canônica, calcada nas noções de perfil (Abschattung) e de coisa mesma, em direção de inovações descritivas e conceituais oriundas das noções de diferença e de desvio (écart). A proposta é reconstruir a noção de “coisa mesma” e de seu núcleo presuntivo de sentido, para em seguida desestabilizá-la como um possível olhar construído e que não está necessariamente previsto pela intencionalidade em acepção mais geral. Relativizar este pressuposto ou prejuízo fundamental da fenomenologia - de que a coisa deva ser a “mesma” ou de que o território fenomenal seja “originário” - leva a propor que a intencionalidade opera de modo não referencial e que a referência, seja no noema perceptivo ou na significação linguageira, é apenas um desdobramento seu. Daí se segue a tentativa de re(d)escrever “a ideia da fenomenologia”, não mais em torno da identidade e da intersubjetividade, mas da diferença e da hibridação, tendo como ganho heurístico a compreensão de diferenças culturais sob um prisma fenomenológico e anárquico.


Why things does not have to be themselves? Phenomenology and anarchy

We start from a canonical phenomenological language, based on the notions of outline (Abschattung) and of the thing themself, towards descriptive and conceptual innovations arising from the notions of difference and deviation (écart). The goal is to reconstruct the notion of “the same thing” and its presumptive core of meaning, to then destabilize it as a possible constructed perspective that is not necessarily foreseen by intentionality in a general sense. Relativizing this assumption or fundamental prejudice of phenomenology - that the thing must be the “same”, “themself” or that the phenomenal territory is “originary” - leads to propose that intentionality operates in a non-referential way and that the reference, either in the perceptual noema or in the linguistic meaning, is just one kind of intentional unfolding off this primary level. Thus the attempt to redescribe “the idea of ​​phenomenology”, no longer around identity and intersubjectivity, but with the help of difference and hybridization may lead to a heuristic gain toward cultural differences and from an anarchic and phenomenological prism.

 

El movimiento de la fenomenología y el fluir (strömen) de la existencia

Carmen Lópes Sáenz - Universidad Nacional de Educación a Distancia

El título de este trabajo subraya el doble sentido del movimiento “de la” fenomenología, porque pretende explorar, por un lado, el significado de lo que algunos han denominado “movimiento fenomenológico” que interpretamos como una fenomenología en movimiento y, por otro lado, intenta caracterizar el movimiento que la existencia, particularmente su flujo temporal, imprime a la fenomenología mientras ella busca sentido. Nuestra tesis es que gracias al movimiento la fenomenología desarrolla la correlación sujeto-objeto y mantiene la tensión entre el mero idealismo y el craso materialismo.


O movimento da fenomenologia e o fluir (strömen) da existência

O título deste trabalho sublinha o duplo sentido do movimento "da" fenomenologia, porque pretende explorar, por um lado, o significado daquilo que alguns denominaram "movimento fenomenológico" que interpretamos como uma fenomenologia em movimento e, por outro lado, tenta caracterizar o movimento que a existência, particularmente seu fluxo temporal, imprime à fenomenologia enquanto ela busca sentido. Nossa tese é a de que graças ao movimento a fenomenologia desenvolve a correlação sujeito-objeto e mantém a tensão entre o mero idealismo e o materialismo grosseiro.

 

A visão e seu alvo: reflexões sobre uma política da atenção a partir da fenomenologia

Danilo Saretta Verissimo - Universidade Estadual Paulista

O tema que se pretende discutir é a atenção. Com base no que a fenomenologia tem a dizer sobre o assunto, buscar-se-á analisar a dimensão social da atenção e sua relação com técnicas e práticas de controle econômico e político. O intuito maior é tratar do tema com base em um enquadramento que integre princípios fenomenológicos a uma abordagem psicossocial, evidenciando a vinculação de problemas referentes à atenção com certos aspectos da vida social contemporânea, especialmente a sanha mercantilista e as culturas tecnológicas. A apresentação será desenvolvida em três partes. A primeira delas será dedicada à exposição de apontamentos preliminares sobre a fenomenologia da atenção. Na segunda parte, analisar-se-á o papel da atenção no ato social partilhado, ou seja, na esfera da co-presença. Com base nisso, serão formuladas, na terceira parte, considerações sobre o controle econômico e político da atenção.

 

Man, The Hero?
On the Limits of Perception for Social Interaction in Merleau-Ponty

Dorothea Olkowski - University of Colorado Springs

In the Phenomenology of Perception, Merleau-Ponty argues that freedom is both a temporal phenomenon and a social or historical one because a human organism, as a living present, is open, not merely to the past and future but to temporalities outside of lived experience, including those of a social horizon and there is a field of relations within which all choices take place (Php, 433) This is expressed by Merleau-Ponty in a number of ways.  It is found, for example, in the Gestalt psychological structure whereby certain shapes are favored, such as cubes and groupings of dots in pairs of six (Php, 465/504). It is found, as well, in our relations with history, understood as our way of being in the world within a variety of institutional frameworks (Php, 468/506-7). Here, he argues that becoming revolutionary is never the effect of being confronted with a representation of revolution. More than likely, no Russian peasant ever expressly represented the transfer of property in 1917, which might have been a terrifying thought. Rather, they found themselves, along with others, engaged in certain projects generalizable as change (Php, 470/509). There is, he notes, a “molecular process” not a molar mechanical causality at work. This molecular process takes place on the level of the relations that human being have with one another and with their own lives. It requires coexistence (Php, 471/510). The anonymity of the One arises when personal existence is sublimated – as in chemistry when a substance transitions from a solid to a gas without any intermediate state – and reduced to the molecular field that is the natural, cultural, and historical world. Paradoxically, it is this that sets us free from our first person existence, from our irrefutable certainties and knowledge, and confirms that we are structures open to the world and to others. This paper will examine the efficacy of this approach for interaction on the social and political level to determine if Merleau-Ponty’s primacy of perception makes this coexistence possible.

O homem, o herói?
Sobre os limites da percepção para a interação social em Merleau-Ponty

Na Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty argumenta que a liberdade é tanto um fenômeno temporal quanto social ou histórico, pois o organismo humano, enquanto um presente vivo, está aberto não apenas ao passado e ao futuro, mas à temporalidades exteriores à experiência vivida, incluindo aquelas de um horizonte social e de um campo de relações no interior do qual todas as escolhas ocorrem (Php, p. 433). Isto é expresso por Merleau-Ponty de várias maneiras. Encontra-se, por exemplo, na estrutura psicológica da Gestalt, na qual certas formas são favorecidas, como cubos e agrupamentos de pontos em seis pares (Php, p. 465/504). Também se encontra em nossas relações com a história, compreendidas como nosso modo de ser no mundo dentro de uma variedade de estruturas institucionais (Php, p. 468/506-7). Aqui, ele argumenta que tornar-se revolucionário nunca é o efeito da confrontação com uma representação da revolução. É muito provável que nenhum camponês russo jamais representou expressamente a transferência de propriedade em 1917, o que poderia ser um pensamento terrível. Antes, descobriram-se, junto de outros, engajados em certos projetos generalizáveis como transformação (Php, p. 470/509). Existe um "processo molecular" em obra, nota Merleau-Ponty, e não uma causalidade mecânica molar.  Este processo molecular tem lugar no nível das relações que o ser humano tem com outrem e com suas próprias vidas. Ele exige a coexistência  (Php, p. 471/510). O anonimato do Se [One] surge quando a existência pessoal é sublimada -  tal como na química quando uma substância passa do estado sólido para o gasoso sem nenhum estado intermediário - e reduzida ao campo molecular que é o mundo natural, cultural e histórico. Paradoxalmente, é isso que nos liberta de nossa existência em primeira pessoa, de nosso conhecimento e de nossas certezas irrefutáveis, e confirma que somos estruturas abertas ao mundo e aos outros. Este artigo examinará a eficácia desta abordagem da interação no nível social e político a fim de determinar se o primado da percepção de Merleau-Ponty torna tal coexistência possível.

 

 Le langage ou la mort : un dilemme phénoménologique

Etienne Bimbenet (Université Bordeaux Montaigne)

Le rapport de la philosophie au savoir est une énigme. Alors même qu’elle n’emprunte pas la voie longue de l’enquête scientifique, la philosophie prétend pourtant à un savoir total ou fondateur. D’où lui vient cette assurance de pouvoir discourir universellement ou nécessairement ? Où la philosophie va-t-elle chercher l’origine de l’idéalité (universalité ou nécessité) de son discours ?

La phénoménologie répond à cette énigme. Tout au long de son histoire elle aura exploré deux chemins bien différents : le chemin de la mort, qui chez Heidegger est au principe d’une pensée définie comme nécessité ; et le chemin de la communication, qui chez Husserl ou Merleau-Ponty fonde la possibilité de l’universel. La phénoménologie explicite ainsi les deux grandes inspirations de la philosophie occidentale : son inspiration métaphysique (l’héroïsme de la mort, qui nous apprend à penser), et son inspiration politique (le langage comme exigence d’une communication infinie).

S’il est vrai que la première inspiration appartient manifestement au passé des sociétés traditionnelles, alors on ne s’étonnera pas que la philosophie soit interpellée aujourd’hui dans ses ressources d’universalité et de communication : on attend aujourd’hui des philosophes qu’ils nous apprennent surtout à faire société, y compris avec les non-humains.

A linguagem ou a morte: um dilema fenomenológico

A relação da filosofia com o conhecimento é um enigma. Apesar de não percorrer o longo caminho da investigação científica, a filosofia, contudo, afirma possuir um saber total ou fundador. De onde vem essa prerrogativa de poder falar universalmente ou necessariamente? Onde a filosofia busca a origem da idealidade (universalidade ou necessidade) de seu discurso? A fenomenologia responde a esse enigma. Ao longo da sua história ela explorou dois caminhos bem diferentes: o caminho da morte que, em Heidegger, está no princípio de um pensamento definido como necessidade; e o caminho da comunicação que, em Husserl ou Merleau-Ponty, funda a possibilidade do universal. A fenomenologia explicita, assim, as duas grandes inspirações da filosofia ocidental: sua inspiração metafísica (o heroísmo da morte, que nos ensina a pensar) e sua inspiração política (a linguagem como requisito para uma comunicação infinita). Se é verdade que a primeira inspiração pertence claramente ao passado das sociedades tradicionais, então não nos surpreenderemos que a filosofia atualmente seja desafiada em seus recursos de universalidade e comunicação: os dias de hoje anseiam por filósofos que nos ensinem, sobretudo, como fazer sociedade (faire société), inclusive com os não-humanos.

 

Fim da filosofia da história?

Luiz Damon - Universidade Federal de São Carlos

 Tanto Merleau-Ponty quanto Lefort pensam a política,  no início de suas carreiras, a partir da história. No caso de Merleau-Ponty,  a autocrítica do viés marxista inicial, o leva a uma perspectiva "ontológica ", em que a história deita raízes na natureza.  No caso de Lefort,  sua autocrítica o leva a um abandono da filosofia da história e a uma inédita teoria da democracia.  Pretendemos aqui verificar a fecundidade de tais alternativas para pensar a situação política atual.

 

Fenomenologia e linguagem: o sentido em questão

Luiza Helena Hilgert - Universidade Federal de São Carlos

Com a noção de intencionalidade, a fenomenologia permitiu uma compreensão da noção de sentido para além da linguagem proposicional, uma vez que o ato originário da consciência visa um sentido que a consciência porta enquanto significado. O cogitatum, acrescido ao ego cogito cartesiano, não é conteúdo cognitivo, racional ou psicológico, ele é sentido visado. O objetivo da presente conferência é recolocar para a fenomenologia a interrogação ricœuriana: o que significa, significar? e perguntar pelo sentido de significar em remissão à intencionalidade. O perguntado da questão não é o que é o sentido, mas como se significa o sentido, de onde vem a caraterística de significar, de dar sentido. A análise intencional mostra que mundo e consciência se correlacionam de uma maneira originária, de forma que a consciência não representa o mundo, mas abriga, desvela um sentido do mundo. Sentido e discurso se tornam, assim, questões fundamentais da fenomenologia e cabe desvendar as diversas maneiras que a significação se efetiva a fim de, então, apreender fenomenologicamente o ato originário da significação. 

Phénoménologie et langage : le sens en question

Avec la notion d'intentionnalité, la phénoménologie a permis une compréhension de la notion de sens au-delà du langage propositionnel, puisque l'acte originel de la conscience vise un sens que la conscience porte comme signification. Le cogitatum, ajouté au cogito cartésien, n'est pas un contenu cognitif, rationnel ou psychologique, c'est un sens intentionnel. L'objectif de cette conférence est de remettre à la phénoménologie la question ricœurienne : que signifie signifier ? et de s'interroger sur le sens de la signification en rémission de l'intentionnalité. La question n'est pas de savoir ce qui signifie le sens, mais comment le sens est signifié, d'où vient la caractéristique de signifier, de donner du sens. L'analyse intentionnelle montre que le monde et la conscience sont corrélés de manière originale, de telle sorte que la conscience ne représente pas le monde, mais qu'elle abrite, dévoile un sens du monde.  La signification et le discours deviennent ainsi des questions fondamentales de la phénoménologie, et il est nécessaire de démêler les différentes manières dont la signification s'effectue pour, ensuite, appréhender phénoménologiquement l'acte originel de la signification.

 

Questões fundamentais de uma fenomenologia da instituição

Marina Larison - CONICET, Argentina

 

 

Para uma fenomenologia da sociedade ocidental contemporânea

Reinaldo Furlan – Universidade de São Paulo

Marcada pelas vicissitudes do capitalismo atual, vivemos uma crise histórico-social profunda que coloca em questão nossas razões para viver; crise cuja extensão, com a globalização da economia capitalista e suas consequências, alcança o sentido da história da civilização ocidental. Consequência das contradições da modernidade ou de uma modernidade inacabada, afinal, é em nome de uma razão alargada que escrevemos, a sensação é a de fim de linha de um processo histórico que impõe a necessidade de outro projeto de humanidade, e que nos leva a pensar a fundo nossa cultura como forma de vida, tarefa que impõe a consideração tanto da materialidade da realização histórico-social de nossas vidas no mundo, quanto da nossa situação como seres viventes neste mundo. Afinal, se a vida humana tem intrinsecamente uma dimensão histórico-social, é enquanto vida que a tem.

Nesta apresentação nos propomos a colocar o estado desta questão para nós. Após uma introdução a uma fenomenologia da sociedade moderna contemporânea, na qual destacaremos os fenômenos do individualismo, do domínio da razão instrumental, da autonomização da economia e suas consequências, colocaremos algumas balizas que nos parecem necessárias ou importantes para pensar a fundo nossa cultura. Nós o faremos a partir da fenomenologia de Merleau-Ponty, destacando as noções de esquema corporal e nível perceptivo, reunidas em torno da noção de instituição, e trabalhadas por ele em seus cursos no Collège de France. Esperamos, assim, contribuir com a tese de que a profundidade e extensão da crise atual nos impõe a necessidade da revisão da instituição da forma como somos nossas relações com o mundo e os outros, humanos e não humanos.

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